domingo, 6 de junho de 2010

Cestão da Economia

Inspirada no nome de um mercadinho na cidade de Una, aqui no Sul da Bahia, a poucos quilômetros do resort de Comandatuba, onde acontece o 9º Fórum de Empresários, observo os ricos e famosos de um ponto de vista que nem sempre temos a chance de ver. Sabendo que a visão preconceituosa também existe do meu lado, que olho de longe essa pequena elite do Brasil, acredito que há realmente “curiosidades” merecedoras de destaque.

1. As empresas que fazem parte do Grupo de Líderes Empresariais formam 44% do PIB privado do Brasil. Em sua maioria, são ricos de berço, como se diz. Parte da aristocracia brasileira, esses líderes parecem desconhecer a luta das mulheres pela igualdade de direitos entre os gêneros. Várias vezes durante o seminário, apresentadores e palestrantes agradeceram às esposas dos empresários. Algo que passa despercebido, mas que é inclusive uma indelicadeza com as mulheres empresárias presentes no evento e com as que compõem a mesa de palestrantes: Jeanine Pires, presidente da Embratur; Luiza Helena Trajano, presidente do grupo Magazine Luiza, uma das maiores redes varejistas do Brasil; e Viviane Senna, diretora do Instituto Ayrton Senna.

2. Por falar em Viviane Senna, ela deve ser parabenizada pela eficiência na arrecadação de recursos para a sua entidade. Em pouco mais de duas horas, conseguiu arrecadar R$ 1,8 milhão em doações dos empresários que participam do evento. Em um dia, a quantia arrecadada somou R$ 2 milhões e antes do início do segundo dia do Fórum de Empresários, o ex-ministro Luiz Fernando Furlan anunciou a doação de R$ 120 mil para o Instituto - R$ 60 mil por ele e R$ 60 mil em nome da esposa (olha a esposa aí de novo). Só para fazer uma comparação, o ministro dos Esportes, Orlando Silva, revelou que no ano de 2009 inteiro, a Lei de Incentivo aos Esportes só conseguiu R$ 120 mil de empresários para patrocinar atletas/projetos/modalidades esportivas. Talvez o esporte não dê a visibilidade ou tenha o apelo emocional do Instituto Ayrton Senna. Será?

3. No meio das celebridades - entre elas, Adriane Galisteu, Regina Duarte, Angelina Muniz, Daniela Mercury, Cristiane Torloni e Silvia Popovic - e de políticos (vários deputados federais, prefeitos, governadores e senadores) os empresários discutem sustentabilidade. Mas não dá para não notar o esforço de alguns - como o atuante Jorge Gerdau - de convencer o empresariado a se engajar de verdade na construção de um país melhor e não apenas doando cotas de R$ 60 mil para uma ONG;

4. Mesmo destacando de tempos em tempos que o evento é apartidário e que não há nenhuma ideologia motivando as discussões, na prática, a teoria é outra. Na palestra do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles respondeu pergunta de deputados do DEM sobre a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal e de medidas de estabilização da economia – numa referência ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Sem se fazer de rogado, Meirelles respondeu com a história do Brasil... foi ao ano de 1822 – da Independência; passou pela década de 1980 e pelos governos de Itamar Franco e FHC, para voltar ao Governo Lula.

5. Do mesmo modo, qualquer referência crítica aos projetos sociais do governo federal tem sido sempre aplaudida, enquanto a defesa do mercado livre e da menor atuação do estado é sempre lembrada como ponto importante para o empresariado. Ao ponto de uma citação à infraestrutura aeroportuária motivar de imediato a defesa da privatização dos aeroportos brasileiros e uma vaia ao ministro dos Esportes, quando disse que o serviço das empresas aéreas e dos principais aeroportos do país não difere muito do que se vê no resto do mundo. Fica clara a diferença sobre visões de país que existe entre o governo atual e os que detêm o capital.

6. O estado tem sido sempre tratado como ineficiente e o meio empresarial sempre como expert em gestão. Algo tão explícito que motivou uma intervenção do governador da Bahia, Jacques Wagner, lembrando que só existe corrupto porque existe quem corrompe e que há anjos e demônios de ambos os lados. Nem os empresários, nem o setor público podem se considerar acima do bem e do mal, ressaltou o governador, recebendo aplausos tímidos da platéia.

7. Curioso também foi ver Viviane Senna “esquecer”o nome da cidade do Sudeste onde o Instituto Ayrton Senna escolheu o exemplo de um garoto analfabeto funcional, na 6ª série do Ensino Fundamental. Ela citou que a entidade desenvolve projetos em Pernambuco, na Paraíba e em São Paulo. Chamou a pernambucana que aprendeu a ler aos 10 anos de idade e citou o garoto de São Paulo apenas como “de uma cidade do Sudeste do país”. Será que a presença do ex-governador Geraldo Alckmin na mesa de conferencistas tem alguma relação com a amnésia momentânea da irmã de Senna.

8. Na mesma linha, a atriz Regina Duarte demonstrou ter medo (?!) de mudanças na Lei Rouanet, que estaria centralizando a aprovação de projetos e discriminando artistas e produtores. Aí entra o ministro Orlando Silva, que tem se saiu muito bem na sua apresentação, defendendo a visão do governo de descentralização dos recursos em várias áreas, incluindo aí a cultura, os esportes e o turismo. “Nunca antes da história desse país...”, disse, citando o presidente Lula e conseguindo risos dos presentes, “houve um esforço tão grande para a descentralização de recursos e projetos, priorizando todas a regiões”. O ministro defendeu o encaminhamento de recursos para manifestações culturais populares, experimentais e que nem sempre atraem o interesse do patrocínio privado e negou que haja preconceito dentro do governo. “A seleção de vôlei tem 15 patrocinadores, mas a esgrima não tem nenhum. O interesse do estado é democratizar o acesso aos recursos também e cumprir os projetos de governo presentes no seu planejamento”.

9. Aloizio Mercadante, acaba de fazer uma observação: "Ontem, nos depoimentos lindos que vimos nas atividades, vimos Adriane Galisteu e Abílio Diniz dizerem que vivemos o melhor momento do país. Não somos mais periféricos - que pede emprestado - nós emprestamos". Isso dá uma análise antropológica: os ricos e famosos concordam que vivemos um momento de sucesso, mas estão sempre tentando uma forma de negar essas afirmações. Talvez com um certo medo de que assumir isso os leve a concordar que seus pares não foram eficientes na condução do país no passado, ou de que o mercado nem sempre é a solução, ou ainda que projetos sociais e a presença do estado podem ser positivos. Podem?! Ah, é que não tem nenhuma ideologia motivando os debates, né, pessoal!? Eu tinha esquecido.

No mais, dentro desse antagonismo de visões a respeito do Brasil e da falta de povo neste cenário lindo de novela, a Ilha de Caras segue tranqüila. Tudo é luxo e riqueza. Os ricos não sabem, mas as baianas que servem a comida e sorriem o tempo inteiro nesse sol de lascar, não sabem quanto ganham pra trabalhar o dia inteiro todos os dias. Elas não têm carteira assinada e acham que ganham entre R$ 12 e R$ 16 por dia. Pagam a passagem para chegar aqui no resort e delas também é cobrada a alimentação. No fim do mês, o chefe dá o dinheiro e elas são obrigadas a confiar que ele está pagando o "combinado" pelas horas trabalhadas. Deve estar, né? Afinal, a escravidão foi abolida em 1888, num foi?

Nos intervalos, os ricos de verdade têm a opção de escolher o modelo de jatinho que os levará pelo Brasil e pelo mundo, ou um carro mais luxuoso; concorrerão num sorteio de um colar de ouro com diamantes e degustam iguarias preparadas por um chef especialmente convidado.

Uma delícia de lugar, de possibilidades de lazer e descanso e de variedade gastronômica. Que os debates e os interesses demonstrados pelo país sejam sinceros é o que se deseja, pois quem conseguiu doar R$ 2,2 milhões para um projeto social em um dia e meio de encontro e realmente tem eficiência em gestão, pode fazer muito para melhorar as condições de vida do Brasil. Basta sair da ilha e começar a atuar.

* Texto de 23 de abril de 2010