terça-feira, 16 de abril de 2013

Para papai

Recife, 05 de outubro de 2012

PARA PAPAI
Por Juliana

Faz uma semana que papai partiu e neste tempo a impressão que tenho é que ele saiu para uma longa viagem, sem data pra voltar, mas podendo chegar a qualquer momento. Neste tempo em que não nos encontraremos, papai pode ter certeza que deixou aqui as melhores histórias, as melhores lembranças e muito amor.

Papai era um homem simples, que valorizava o esforço do trabalho de cada dia, respeitava todas as pessoas e era incapaz de falar mal de alguém. Gostava de chamar cada um pelo nome, que uma vez decorado, nunca mais era esquecido. Mesmo nos poucos dias em que passou no hospital, perguntou e lembrou o nome de todos os profissionais que cuidaram dele.

Apesar de acreditar na importância da sorte, papai desejava Trabalho! “Porque quem trabalha tem saúde”. Era homem dos ditados populares e das lições na ponta da língua. “Economia de pobre é comprar bom!”, “Peixe morre pela boca!”, “Dia de muito é véspera de pouco!”, “Primeiro a obrigação, depois a diversão”.

Pra ele, se alguma coisa era boa, era “de primeira qualidade” e se fossem produtos, normalmente eram fabricados em Minas Gerais - estado que adotou afetivamente e onde viveu muitas e emocionantes histórias.

Papai gostava de música, de poesia e contava piadas. Tinha uma gargalhada gostosa, que vinha de dentro. Era homem de emoções fortes e opiniões firmes. Com ele aprendemos os hinos e o amor pela pátria - que antes de ser ufanismo, era um orgulho de ser brasileiro.

Desiludido com a política, tinha decidido não mais votar. Mas foi através do seu olhar que acompanhei a redemocratização, a morte de Tancredo, a volta de Arraes, o desaparecimento de Ulisses Guimarães e os difíceis anos do Governo Collor. Papai tinha um senso de justiça e humanidade muito forte.

Gostava de serenata, de teatro, das músicas de amor e dos versos de Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos e Catulo da Paixão Cearense. Declamava poemas sentindo cada palavra, ria antes de terminar qualquer piada e conversava sozinho - resolvendo muitas coisas importantes com ele mesmo, num diálogo que prosseguiu até os últimos momentos.

Não é que não tivesse defeitos. A gente costuma dizer que depois que morre todo mundo vira santo! E papai também dizia isso. É que os defeitos são parte das pessoas e também as tornam únicas. Meu pai era único por suas qualidades e também pelos seus defeitos. Ninguém mais do que a família conheceu e conviveu com todos eles. E na hora da saudade, os defeitos também fazem falta.

Era desligado e indiscreto, pronto para uma gafe que para ele era uma bobagem e pra gente era diversão. Tinha muitas manias; entre elas a de manter relógios espalhados pela casa - todos marcando exatamente a mesma hora e despertando no mesmo momento (numa sinfonia de que tem medo de se atrasar).

Foi funcionário do Banco do Brasil e isso diz muito dele. O banco, assim como a família, fez parte da vida de papai e colocou de uma certa forma um método no dia a dia, no cotidiano. Pernambuco, em Minas; Mineirinho, no Rio; Ferro de Engomar, no Recife. Sim, papai era esquentado e gostava de um bom debate.

Viveu intensamente, viajou e aproveitou a vida sem ostentação. Pra ele o dinheiro era importante, mas não era essencial. “Da vida nada se leva!”, dizia ele, lembrando sempre a importância de “só colocar o chapéu onde a mão alcança”.

Papai foi feliz na simplicidade. Gostava de caminhar na praia, tomar banho de mar em Tamandaré, jogar bolinha, dormir a sesta, ver televisão, assistir aos telejornais e apesar de negar que acompanhasse qualquer novela, era fácil vê-lo prestando atenção nos capítulos e comentando sobre os personagens da ficção.

Foi muito feliz em Tamandaré, naquela vida besta de quem passa os fins de semana na praia, no seu barraco (uma casa de dois cômodos e um banheiro e a felicidade da simplicidade).

Ser casado com a minha mãe também dizia muito sobre meu pai. Sempre confiou em mamãe para tomar as decisões e sempre contou com ela nos melhores e nos piores momentos. Quando foi internado na UTI, a grande queixa dele foi o terem separado de sua mulher. Mamãe foi a grande companheira, nas alegrias e tristezas, na saúde e na doença. Das últimas coisas que fez contrariado, tirar a aliança para fazer exames e ser internado no hospital foram as mais marcantes, as que resultaram em queixa.

Tinha medo de ir ao médico, só tomava vitaminas e fechava os olhos na hora de fazer exame de sangue. E quando teve que tomar 5 comprimidos, disse: “Esses remédios estão acabando comigo, minha filha!”.

A gente sabe, papai, o quanto foram difíceis estes momentos e por isso também sabemos o quanto você não nasceu para ficar doente. É difícil pensar nesta sua longa viagem, mas seria mais difícil vê-lo sofrer mais.

Lembraremos sempre dos melhores momentos, da sua alegria, da forma íntegra como sempre viveu - sem concessões éticas. “Não é porque todo mundo faz errado, que você também vai fazer!”, dizia.

Papai viveu intensamente todos os momentos. Como na música de Roberto Carlos, talvez dissesse hoje: “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”.

Um dos poemas que mais gostava era “Um Boêmio no Céu”, de Catulo da Paixão Cearense. Uma peça teatral em versos que conta a chegada do Boêmio nas portas do Céu e a sua conversa com São Pedro para convencê-lo de que merecia passar a eternidade ao lado de Deus, apesar da vida desregrada que teve na Terra.

Depois de um longo diálogo e de convencer não apenas São Pedro, mas também São João, Santo Antônio e Santo Onofre de que merecia entrar no céu, o Boêmio pede para que seu destino seja a Lua - lugar dos artistas, dos boêmios e da poesia.

Neste momento de saudade, gosto de pensar que nesta longa viagem, papai também tenha uma parada na Lua, com a alegria e a atenção que sempre teve com todos, declamando os versos mais bonitos e ouvindo e cantando as mais belas canções.