sábado, 28 de setembro de 2013

A visão de mundo de quem não tem visão



Desde ontem; aliás, desde antes, algo me chama atenção, mais do que a demolição do Edf. Caiçara, em Boa Viagem.

Sim. É possível algo mais surpreendente e também mais assustador do que a destruição de uma cidade.

O quê? A impossibilidade de mudança. A dificuldade de vislumbrar um cenário diferente do que está posto.

Desde ontem, quando a derrubada do prédio virou o assunto mais comentado das redes sociais e a imagem da construtora Rio Ave foi jogada na lama (como costuma acontecer rapidamente com os assuntos neste terreno virtual), chama a minha atenção a reação da construtora e as respostas que tem dado quando questionada sobre o crime contra o patrimônio arquitetônico do Recife.

A suspensão, mesmo que momentânea do processo de tombamento do prédio (se é que aconteceu isso mesmo), fez os donos da empresa ordenarem a derrubada o mais rapidamente possível; achando que assim eliminariam o obstáculo que os impede de erguer mais um arranha-céu à beira-mar.

Talvez tenham eles pensado: "- Vai que ninguém nota?! Quando perceberem, já vamos estar construindo o nosso predão!" \o/

É uma lógica recorrente, vista diariamente por estas bandas tropicais do litoral pernambucano.

Por que pensar num projeto diferente? Por que pensar em algo que conservasse a história da cidade e ainda deixasse pra posteridade também o nome da construtora?

Veja que não estou sendo altruísta no meu pensamento... seria possível eles serem capitalistas-selvagens nisso também.

...

Ideia rápida, que tive em 5 segundos: compravam o prédio, criavam um projeto legal, com um mega-edifício e conservando o Caiçara (que poderia ser transformado em Centro Cultural, como uma Casa de Cultura Laura Alvim (RJ)... quem sabe um Centro de Cultura Ave do Mar (?!) - que óbvio que eles não administrariam (poderiam doar à prefeitura em troca de redução de impostos ad infinitum) - e ainda ajudaria a manter o nome da empresa na mais elevada estima dos recifenses (que estariam pagando a obra com renúncia fiscal do município) e registrariam o nome do dono ou da marca também para a posteridade. No futuro, a tal construtora ainda poderia dizer que iniciou uma nova forma de atuar no Recife. Vejam que estratégia de divulgação perdida, minha gente!!!

A mesma sugestão vale para os empreendedores que pretendem fazer do Cais José Estelita uma mini Dubai, uma proto-Miami! Pra quê perder tempo transformando o lugar numa Amsterdã Nordestina? Numa Copenhagen Tropical??? Trabalho demais, né?! "Bora cimentar e espelhar tudo, que construir Dubai é mais rápido!!!".

Não pensam no futuro e também não pensam no lucro. Na minha modesta opinião de quem não sabe bater um prego numa parede, seria mais rentável vender a ideia de morar numa Copenhagen Recifense do que num deserto reconstruído. Mas acho que essas mega empresas talvez não tenham grana pra bancar uma pesquisa de imagem e mercado, né?! Muito alto o custo de pensar nisso... tsc, tsc, tsc...

...

Então, me perdendo e agora voltando, é engraçado ver que na gestão da crise que os caras mesmos provocaram na imagem da construtora não tem uma solução, só um reforço do problema. "A gente tinha a autorização e a gente derrubou! Uai?!".

É uma lógica que está no Recife, no modo de desenvolvimento pensado por quem tem grana por aqui e também por quem administra a cidade. Que cada vez é menos pública e mais privada (no sentido de particular e também no de esgoto!).

Foi com essa mesma lógica de "- Eureka! Temos uma autorização!", que derrubaram as palmeiras imperiais em frente ao Parque 13 de Maio; e com essa mesma lógica também cortaram as árvores centenárias do bairro do Espinheiro recentemente (o responsável pela obra me dizia, indignado com os protestos dos moradores: "- Mas a gente vai plantar outras!!!"). E é com esse mesmo pensamento que veremos sumir as casas centenárias da Av. João de Barros. (citando poucos exemplos da minha memória escassa).

É desse pensamento que vem a desesperança. Não há perspectiva de mudança. Ao menor cochilo da sociedade, a cidade será derrubada, arrancada e reconstruída aos moldes do que significa desenvolvimento para estas pessoas. Não importa se é o desejo da maioria, se no futuro só haverá carros engarrafados nas ruas, se o mar vai avançar por cima do calçadão e dos prédios, se a temperatura chegará aos 40 graus à sombra. Talvez seja esta a ideia mesmo: transformar o Recife num deserto e aí sim poder construir Dubai aqui! Esta é a visão de futuro desses que se dizem "empreendedores".

E o povo está só. As construtoras financiam as campanhas dos políticos, que quando ganham beneficiam as construtoras. Ninguém quer saber de discutir a reforma política. Muito menos o financiamento público de campanhas. Continuaremos sós; é o que me parece por enquanto.

* Foto do site do Diario de Pernambuco, feita por Bruna Monteiro/DP/D.A Press

* Não sei, nem fui pesquisar, se a construtora em questão fez doação para alguma campanha partidária. Este é apenas um pensamento recorrente meu de que o sistema partidário-eleitoral brasileiro precisa de mudanças, de regras mais rígidas que impeçam uma troca de favores, que não é boa para a população, nem para a democracia.

* Neste caso, em particular, penso que o senso-comum foi: "Mais um prédio, né?!"; "A gente 'planta' outro depois!". E assim seguimos sem rumo.

sábado, 7 de setembro de 2013

A cidade que se apaga

Andar pelo Recife nos últimos tempos dá vontade de chorar. Passei esta semana na Av. João de Barros, no Espinheiro, e constatei mais uma agressão aos registros arquitetônicos da cidade. Vão demolir as casas centenárias próximas à igrejinha para construir mais uma torre de concreto.

Quem quiser ver as casas que já tiveram os portões e as grades de ferro retorcido, formando belos desenhos, já não verá as residências (agora cobertas por um alto tapume de madeira, com a marca de uma construtora).

Mais do que a necessidade de sair tombando tudo o que é casa e bairro, falta aos moradores, ao poder público e aos empresários daqui o respeito aos registros que fazem o Recife ser o que é (ou já foi um dia). Falta criatividade para atuar no espaço urbano sem simplesmente destruir o passado, mas sim construir com o passado.

O Recife nunca teria um Bairro Gótico. Ele já teria sido demolido para a construção de altos edifícios de apartamento e comerciais (quem sabe bem espelhados!); sem criatividade alguma para fazer o novo se adaptar ao antigo, ou respeitar a passagem do tempo na cidade.

Ver as casas da João de Barros com tapumes e imaginá-las transformadas numa grande torre de minúsculos apartamentos, vendidos a preço de ouro, partiu meu coração.

Cada vez mais o Recife é uma cidade sem memória, sem identidade. Uma cidade que se apaga como se fosse desenhada com lápis grafite, nas pranchetas de investidores que observam de longe, mas não andam por suas ruas.

Restarão uma casa e a igreja espremidas, numa metrópole que não sabe como crescer e respeitar sua memória e seus moradores. Restarão o engarrafamento diário, o som das buzinas e a grosseria dos motoristas - que me fizeram ficar vários minutos observando o que já não é a Av. João de Barros; em frente às casas que podem já não estar de pé neste sábado chuvoso.

Restarão as fotos de família.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013